18 de agosto de 2009

Que coisa... (para Bruna)

.

Que coisa é essa que você tem, menina?
Que encanto é esse?
Que magia é essa que você carrega,
que brota dos seus olhos, do seu sorriso,
ou de qualquer coisa que você faça, ou não faça?
Que graça é essa que te acompanha,
em cada gesto, em cada simples estar?
Que poder é esse que, longe de assustar,
pelo contrário, atiça?...
Que mel é esse? De que florada você o compôs?
Combinação do que com o quê?
Que luz é essa que te envolve, me responde...
De onde vem? Do que e pra que vem?
Pra onde vai?
Vai?...
É sua, de repente, exclusiva pro seu próprio brilhar,
ou aguarda, brilhante e paciente,
quem apenas e tão somente a aceite, entenda,
e, com a maior naturalidade do mundo,
simplesmente se deixe iluminar?
.

Ah, vá...

.
Mas é claro que continuaremos a nos ver...
A relação acabou, mas não acabou todo o afeto,
Toda a consideração, respeito e admiração
Que sempre tive e continuarei a ter por você.
Sinto, sim, sua falta, e sempre penso em você com carinho.
Você é a pessoa mais especial que já conheci;
Jamais me afastaria assim de você;
Disse ela, minutos antes de desaparecer para sempre...
.

De clara ação

.
Declaro, para os devidos fins
que esse é o fim da devida declaração
ponto
.
8 de agosto de 2009

Precisâncias...

.
Preciso, com uma certa urgência,
de uma régua, de uma trena, de um compasso;
preciso de medidas, preciso de limites.

Preciso, com uma certa urgência,
de lápis, borracha, e papel, muito papel,
para poder escrever, apagar e reescrever,
à medida que descubro, redescubro,
aprendo e desaprendo as lições e deslições
que a vida, essa mestra volúvel e imprevisível,
me passa como deveres de casa.

Preciso, com uma certa urgência,
de alguns pincéis, e muita tinta,
pra poder colorir um pouco o cinza de que às vezes me visto.

Preciso de um tubo de cola, daqueles bem grandes,
pra poder remontar os pedaços em que às vezes me quebro,
e, meu Deus, como ando me quebrando...
Pensando bem, DOIS tubos de cola...
.

Barcos

.
Ah, ser leve.. como custa às vezes, consegui-lo...
A gente carrega tantas coisas, tantas delas desnecessárias;
Armas, escudos, fotografias esmaecidas de passados não felizes,
Projeções mal pensadas de futuros improváveis,
Desejos, anseios, medos, esperas...

Para voar fomos feitos e nascidos,
Mas optamos, no mais das vezes, por sermos barcos,
Sujeitos a marés, recifes, tempestades,
E sempre, sempre cheios de âncoras...
.

A mulher do poeta

.
Feliz aquela que por um poeta
É amada e cortejada
Pois que de poemas vive,
E de poemas é alimentada.

De versos se veste,
E com versos é despida.
E ainda mesmo quando findo o encanto,
Quando premente se faz a partida,
Mais que nunca o poeta se aplica,
E canta em versos a sua despedida.
.

Quem canta...

.
Um pouco antes de sair para cantar (Fran's Café- 31/08/09):

Ai, ai...
Dia de gemidos...
Dia de tremores, soluços e suspiros...
O corpo se arqueia e parece querer entrar dentro de si mesmo...
A garganta emite um som gutural, animalesco... dor...
Dor pura, sem alento, sem bálsamo, sem tempo.
O corpo cansa, se senta; a garganta se cansa, e se cala.
A dor se espalha, se assenta, e se aquieta, afinal... até o próximo embate,
até a próxima lembrança... funérea dança, a ida e vinda dessa dor...
Dia haverá em que não mais virá... bem o sei... mas tarda tanto, esse dia...
O tempo parece brincar com esse anseio... dia sim, dia não, às vezes dia também, vai e vem, vai e vem, vai e vem...
Pelo amor de Deus... vai de vez!
Deixe-me o vazio...
Deixe-me o vazio preenchível, fértil de tempo e de espaço;
não mais essa floresta escura, cheia de ruídos, imagens e cheiros
de que não quero mais me lembrar...

******************************************************************

Minutos depois de chegar de lá:

E então cantei...
Cantei como um louco... devagar, aos poucos...
Colocando, aqui e ali, embutida em determinadas notas, um pouco da dor (agora) calma que então me invadia, ainda, ainda...
Cantei com fé, cantei com amor, com dor... com raiva, não... ninguém merecia ali, nem em lugar algum, a minha raiva latente...
Em certa hora, entretanto, o coração se sobrepôs à boca, e o que saiu dali foi lindo...
Aí me veio a luz desse poder, o poder de cantar e tocar um instrumento; poder de alterar toda uma energia de um ambiente,
a mel bel-prazer: posso alegrar, posso entristecer, comover, irritar (nunca o faço, mas poderia...).
Casais se beijaram, ao meu som... eu vi, eu sei... casais que chegaram mal se falando, saíram abraçados,
e sorriram pra mim... casais em fase ainda de conquista se declararam, e saíram, também abraçados...
Abracei e beijei meu violão (como sempre faço), ao terminar, mas hoje o beijo e o abraço foram mais intensos:
bendito ser, esse que (literalmente) me acompanha, e dá cama à minha voz.
Bendito seja meu violão; bendito seja esse meu dom de tornar visíveis e audíveis os sentimentos que pairam...
.

Novos "ares"

.
Esses tocares,
Esses roçares,
Esses pegares de mão, o que são,
Se os olhares são de não?...

Esses estares,
Esses ficares,
Esses confiares,
Mas sem entregares, o que são,
Se o tempo é de nãos?...
.

Ah, essas coisas...

.
Certas coisas, não mais as processo, não mais as digiro...
Mas não as vomito, também, pois que sequer as engulo...
Ficam entaladas aqui, essas coisas;
não entram, não saem, não vão, e não vêm...
Travam-me a voz, essas coisas;
perturbam-me o sono, o despertar e o viver.

Certas coisas, já não consigo fingir que não as vejo,
que não as sei, que não as sinto...
Agarram-me, tais coisas, pela gola da camisa,
e me sacodem, violentas, às vezes, insistentes, incisivas.
Querem de mim que eu as encare, e as enfrente;
que as decifre e devore; que as reconheça, e assuma.

Querem de mim, essas coisas, o que de mim mais me custa,
o que de mim mais me assusta, e o que a mim mais amedronta.
Querem de mim, essas coisas, aquilo que de mim evito,
aquilo que é em mim um grito, e que de mim se esconde,
e do que, em mim, me escondo...
Adiamo-nos, enfim, essas coisas, e o que elas me querem dizer...
.

Meu anjo, o cacete!

.
Estou bem longe, infelizmente (?) de ser anjo...
Ajo como anjo, às vezes, ou pelo menos tento...
Mas na maior parte do tempo, sou homem,
apenas e tão somente.

Penso como homem, sinto como homem,
rio, choro, vivo e sofro, como qualquer homem.
Sinto sede, fome, frio, sono e medo, como qualquer homem.
Sinto fome de sexo, sinto fome de beijos, sinto sede de afagos,
de dengos, de toques, sinto falta de presença.
Sinto saudade, sinto muita saudade, como qualquer homem...

Sinto saudade de acordar ao lado de um sorriso,
de sentir um corpo ao meu lado, na cama, ao deitar.
Não, não... estou mesmo longe de ser anjo...
Sinto coisas, muitas, que anjos não sentem,
ou pelo menos não acho que sintam,
e se sentem não deviam sentir...

Sinto raiva, sinto mágoa, sinto tristeza,
sinto angústia, sinto solidão.
Tenho carências, premências, ausências, deficiências...
Coisas de homem, não de anjo.

Urino, defeco, arroto, bocejo;
tenho pelos, tenho pele,
tenho pênis e testículos...
Definitivamente coisas de homem, não de anjo...
.

Para Cláudia...

.
Teu corpo é uma estrada
Que quero percorrer
Saber de onde te traz,
E pra onde me levaria,
Se nela me pusesse...

Que paisagens teria a me mostrar
Em seu percurso?
Quantos trevos, desvios e bifurcações
Onde me perder?

Quantas colinas a subir,
E quanto esforço isso me exigiria?
E quantos vales a descer desengrenado,
Descontrolado, enlouquecido?

Quantos sinais a decifrar em suas placas
E advertências... aqui sim, aqui não...
Pare, ande, olhe, escute...

Quantos segredos a descobrir,
Percorrendo a pé seus acostamentos?
Traços de quem já passou,
Marcas de pneus, freadas bruscas
De quem não entendeu,
Ou não aceitou seus limites...

Descobrir, também, eu,
E com certeza desafiar esses limites,
Me atrever, ousar, correr o risco,
Me acidentar, talvez,
Perder o rumo...
Ou, quiçá, chegar, calmo e tranqüilo
Ao seu destino, de repente também meu?...
.

Poema Bárbaro (para Bárbara)

.
Eu te peço perdão
Pela minha ansiedade,
Minha quase agonia
Em querer-te liberta,
em querer-te alegria.

Eu te peço perdão
por ser tão invasivo,
por ser tão incisivo
No querer desvendar
Teu mistério mais vivo

Eu te peço perdão
Pela impaciência
Pela minha insistência
Em querer penetrar
O que a mim soa ausência

Eu te peço perdão
Por ver-te tão linda,
E ainda mais linda prever-te,
E adivinhar-te, quiçá decifrar-te
Naquilo em que não te mostras
Naquilo em que mais te guardas

Eu te peço perdão
Por não saber esperar-te,
E querer arrancar-te de ti,
E trazer-te aqui, ao jardim de onde, embevecido, te contemplo,
E mostrar-te, daqui, o que vejo de ti,
E fazer-te, quem sabe, entender
O quanto e porque a quero,
Não para mim, mas para ti mesma...

Fernando em Pessoa
(10/09/2003)
.

A Musa

.
Tenho uma musa
Que se recusa
A ser musa,
E me acusa
De pisar onde não devo,
De querer o que não posso,
De almejar, ainda que em poesia,
Aquilo que a mim não caberia...

Tenho uma musa, uma ninfa, uma fada,
Dotada de um par de asas
Que usa como ninguém...
Ora paira, ora dispara em fuga,
Fingindo-se assustada.

Tenho uma musa
Que abusa do dom da surpresa,
Abusa do dom da beleza,
Mas se perde às vezes na leveza
Dos laços que lanço, mas não puxo...

Tenho uma musa encantada,
Nem amiga, nem namorada,
Uma musa, enfim,
Que não se aceita e não se entende musa
E mal sabe que,
Quanto mais inatingível a musa,
Mais criativa e rica
Será a obra por ela inspirada...
.

Morte Súbita

.
Mataram minha poesia...
Inda nem nascida estava,
Eram palavras inda soltas,
Se procurando, se unindo...

Mataram minha poesia...
E eu mal me lembro do pouco dela
Que chegou a brotar...
Eram palavras inda soltas,
Flertando entre si,
Formando casais...

Sei que falava de fadas dormindo a meu lado,
De estrelas no céu do meu quarto,
De risos e brilhos nos olhares,
De um acordar tranqüilo e mágico,
Alguma coisa assim...
Eram apenas palavras ainda,
Mal aprendiam a andar por si

Mataram minha poesia...
Estava inda dentro de mim,
Estava vindo, crescendo tranqüila,
Mas veio de repente o tiro,
E ainda que o saiba inadvertido e acidental
Foi certeiro, inda assim, e fatal...

E o que faço eu agora
Com uma poesia nati-morta?
Em qual de meus cemitérios a enterro?
Ou devo plantá-la, talvez,
Em meu próprio solo,
E dela fazer semente,
Pra uma outra poesia brotar?
.

Devora-me ou te decifro...

.
Decifrar, é o que dizes...
A mim ou a ti, é o que pergunto...
O quanto de mim há em ti a decifrar,
O quanto de ti há em mim a descobrir?
O quanto de nós ainda paira no éter,
Disforme, volátil e sem peso?

O quanto de nós é sabido,
O quanto de nós é surpresa?
O quanto de cada um cada um se nega?
O quanto de cada um cada um se entrega?
O quanto dos dois é de cada?
O quanto de cada é dos dois?

O quanto cada um se cobra, e do outro,
Aquilo que do outro é, e também de si?
O quanto cada um se busca,
E se encontra, e se perde no outro?
O quanto temos de vidro,
O quanto temos de espelho?
.

Maestria

.
E aí me assusto de novo... coisa mais etérea, uma sinfonia viva, composta no passo a passo, a sei lá quantas mãos, quantas cabeças, e a minha no meio...
Medo... medo de sair do compasso, medo de perder o tempo, de perder a entrada, de ficar pra trás...
Medo de quebrar as cordas, de quebrar os dedos, de quebrar a cara...
Medo de doer... sempre o medo de doer.
Aqui estamos, os dois, tentando tocar juntos uma música que não conhecemos, que não estudamos, não ensaiamos...
De duas uma: ou ficamos tensos e apreensivos, tentando entender o ritmo, o andamento, a melodia e a harmonia, tentando prever e antecipar o próximo compasso, ou relaxamos e deixamos que nossa música nos penetre, nos preencha, e nos consolide...
O que vai ser, menina? Faremos uma Sinfonia, ou um Minueto? Mozart ou Beethoven? Alegres, plenos e fluidos como Bach, ou tensos, rebuscados e densos como Stravisnky?
O que vai ser, minha pequena? O que vamos ser?
.

Que coisa... (para Bruna)

.

Que coisa é essa que você tem, menina?
Que encanto é esse?
Que magia é essa que você carrega,
que brota dos seus olhos, do seu sorriso,
ou de qualquer coisa que você faça, ou não faça?
Que graça é essa que te acompanha,
em cada gesto, em cada simples estar?
Que poder é esse que, longe de assustar,
pelo contrário, atiça?...
Que mel é esse? De que florada você o compôs?
Combinação do que com o quê?
Que luz é essa que te envolve, me responde...
De onde vem? Do que e pra que vem?
Pra onde vai?
Vai?...
É sua, de repente, exclusiva pro seu próprio brilhar,
ou aguarda, brilhante e paciente,
quem apenas e tão somente a aceite, entenda,
e, com a maior naturalidade do mundo,
simplesmente se deixe iluminar?
.

Ah, vá...

.
Mas é claro que continuaremos a nos ver...
A relação acabou, mas não acabou todo o afeto,
Toda a consideração, respeito e admiração
Que sempre tive e continuarei a ter por você.
Sinto, sim, sua falta, e sempre penso em você com carinho.
Você é a pessoa mais especial que já conheci;
Jamais me afastaria assim de você;
Disse ela, minutos antes de desaparecer para sempre...
.

De clara ação

.
Declaro, para os devidos fins
que esse é o fim da devida declaração
ponto
.

Precisâncias...

.
Preciso, com uma certa urgência,
de uma régua, de uma trena, de um compasso;
preciso de medidas, preciso de limites.

Preciso, com uma certa urgência,
de lápis, borracha, e papel, muito papel,
para poder escrever, apagar e reescrever,
à medida que descubro, redescubro,
aprendo e desaprendo as lições e deslições
que a vida, essa mestra volúvel e imprevisível,
me passa como deveres de casa.

Preciso, com uma certa urgência,
de alguns pincéis, e muita tinta,
pra poder colorir um pouco o cinza de que às vezes me visto.

Preciso de um tubo de cola, daqueles bem grandes,
pra poder remontar os pedaços em que às vezes me quebro,
e, meu Deus, como ando me quebrando...
Pensando bem, DOIS tubos de cola...
.

Barcos

.
Ah, ser leve.. como custa às vezes, consegui-lo...
A gente carrega tantas coisas, tantas delas desnecessárias;
Armas, escudos, fotografias esmaecidas de passados não felizes,
Projeções mal pensadas de futuros improváveis,
Desejos, anseios, medos, esperas...

Para voar fomos feitos e nascidos,
Mas optamos, no mais das vezes, por sermos barcos,
Sujeitos a marés, recifes, tempestades,
E sempre, sempre cheios de âncoras...
.

A mulher do poeta

.
Feliz aquela que por um poeta
É amada e cortejada
Pois que de poemas vive,
E de poemas é alimentada.

De versos se veste,
E com versos é despida.
E ainda mesmo quando findo o encanto,
Quando premente se faz a partida,
Mais que nunca o poeta se aplica,
E canta em versos a sua despedida.
.

Quem canta...

.
Um pouco antes de sair para cantar (Fran's Café- 31/08/09):

Ai, ai...
Dia de gemidos...
Dia de tremores, soluços e suspiros...
O corpo se arqueia e parece querer entrar dentro de si mesmo...
A garganta emite um som gutural, animalesco... dor...
Dor pura, sem alento, sem bálsamo, sem tempo.
O corpo cansa, se senta; a garganta se cansa, e se cala.
A dor se espalha, se assenta, e se aquieta, afinal... até o próximo embate,
até a próxima lembrança... funérea dança, a ida e vinda dessa dor...
Dia haverá em que não mais virá... bem o sei... mas tarda tanto, esse dia...
O tempo parece brincar com esse anseio... dia sim, dia não, às vezes dia também, vai e vem, vai e vem, vai e vem...
Pelo amor de Deus... vai de vez!
Deixe-me o vazio...
Deixe-me o vazio preenchível, fértil de tempo e de espaço;
não mais essa floresta escura, cheia de ruídos, imagens e cheiros
de que não quero mais me lembrar...

******************************************************************

Minutos depois de chegar de lá:

E então cantei...
Cantei como um louco... devagar, aos poucos...
Colocando, aqui e ali, embutida em determinadas notas, um pouco da dor (agora) calma que então me invadia, ainda, ainda...
Cantei com fé, cantei com amor, com dor... com raiva, não... ninguém merecia ali, nem em lugar algum, a minha raiva latente...
Em certa hora, entretanto, o coração se sobrepôs à boca, e o que saiu dali foi lindo...
Aí me veio a luz desse poder, o poder de cantar e tocar um instrumento; poder de alterar toda uma energia de um ambiente,
a mel bel-prazer: posso alegrar, posso entristecer, comover, irritar (nunca o faço, mas poderia...).
Casais se beijaram, ao meu som... eu vi, eu sei... casais que chegaram mal se falando, saíram abraçados,
e sorriram pra mim... casais em fase ainda de conquista se declararam, e saíram, também abraçados...
Abracei e beijei meu violão (como sempre faço), ao terminar, mas hoje o beijo e o abraço foram mais intensos:
bendito ser, esse que (literalmente) me acompanha, e dá cama à minha voz.
Bendito seja meu violão; bendito seja esse meu dom de tornar visíveis e audíveis os sentimentos que pairam...
.

Novos "ares"

.
Esses tocares,
Esses roçares,
Esses pegares de mão, o que são,
Se os olhares são de não?...

Esses estares,
Esses ficares,
Esses confiares,
Mas sem entregares, o que são,
Se o tempo é de nãos?...
.

Ah, essas coisas...

.
Certas coisas, não mais as processo, não mais as digiro...
Mas não as vomito, também, pois que sequer as engulo...
Ficam entaladas aqui, essas coisas;
não entram, não saem, não vão, e não vêm...
Travam-me a voz, essas coisas;
perturbam-me o sono, o despertar e o viver.

Certas coisas, já não consigo fingir que não as vejo,
que não as sei, que não as sinto...
Agarram-me, tais coisas, pela gola da camisa,
e me sacodem, violentas, às vezes, insistentes, incisivas.
Querem de mim que eu as encare, e as enfrente;
que as decifre e devore; que as reconheça, e assuma.

Querem de mim, essas coisas, o que de mim mais me custa,
o que de mim mais me assusta, e o que a mim mais amedronta.
Querem de mim, essas coisas, aquilo que de mim evito,
aquilo que é em mim um grito, e que de mim se esconde,
e do que, em mim, me escondo...
Adiamo-nos, enfim, essas coisas, e o que elas me querem dizer...
.

Meu anjo, o cacete!

.
Estou bem longe, infelizmente (?) de ser anjo...
Ajo como anjo, às vezes, ou pelo menos tento...
Mas na maior parte do tempo, sou homem,
apenas e tão somente.

Penso como homem, sinto como homem,
rio, choro, vivo e sofro, como qualquer homem.
Sinto sede, fome, frio, sono e medo, como qualquer homem.
Sinto fome de sexo, sinto fome de beijos, sinto sede de afagos,
de dengos, de toques, sinto falta de presença.
Sinto saudade, sinto muita saudade, como qualquer homem...

Sinto saudade de acordar ao lado de um sorriso,
de sentir um corpo ao meu lado, na cama, ao deitar.
Não, não... estou mesmo longe de ser anjo...
Sinto coisas, muitas, que anjos não sentem,
ou pelo menos não acho que sintam,
e se sentem não deviam sentir...

Sinto raiva, sinto mágoa, sinto tristeza,
sinto angústia, sinto solidão.
Tenho carências, premências, ausências, deficiências...
Coisas de homem, não de anjo.

Urino, defeco, arroto, bocejo;
tenho pelos, tenho pele,
tenho pênis e testículos...
Definitivamente coisas de homem, não de anjo...
.

Para Cláudia...

.
Teu corpo é uma estrada
Que quero percorrer
Saber de onde te traz,
E pra onde me levaria,
Se nela me pusesse...

Que paisagens teria a me mostrar
Em seu percurso?
Quantos trevos, desvios e bifurcações
Onde me perder?

Quantas colinas a subir,
E quanto esforço isso me exigiria?
E quantos vales a descer desengrenado,
Descontrolado, enlouquecido?

Quantos sinais a decifrar em suas placas
E advertências... aqui sim, aqui não...
Pare, ande, olhe, escute...

Quantos segredos a descobrir,
Percorrendo a pé seus acostamentos?
Traços de quem já passou,
Marcas de pneus, freadas bruscas
De quem não entendeu,
Ou não aceitou seus limites...

Descobrir, também, eu,
E com certeza desafiar esses limites,
Me atrever, ousar, correr o risco,
Me acidentar, talvez,
Perder o rumo...
Ou, quiçá, chegar, calmo e tranqüilo
Ao seu destino, de repente também meu?...
.

Poema Bárbaro (para Bárbara)

.
Eu te peço perdão
Pela minha ansiedade,
Minha quase agonia
Em querer-te liberta,
em querer-te alegria.

Eu te peço perdão
por ser tão invasivo,
por ser tão incisivo
No querer desvendar
Teu mistério mais vivo

Eu te peço perdão
Pela impaciência
Pela minha insistência
Em querer penetrar
O que a mim soa ausência

Eu te peço perdão
Por ver-te tão linda,
E ainda mais linda prever-te,
E adivinhar-te, quiçá decifrar-te
Naquilo em que não te mostras
Naquilo em que mais te guardas

Eu te peço perdão
Por não saber esperar-te,
E querer arrancar-te de ti,
E trazer-te aqui, ao jardim de onde, embevecido, te contemplo,
E mostrar-te, daqui, o que vejo de ti,
E fazer-te, quem sabe, entender
O quanto e porque a quero,
Não para mim, mas para ti mesma...

Fernando em Pessoa
(10/09/2003)
.

A Musa

.
Tenho uma musa
Que se recusa
A ser musa,
E me acusa
De pisar onde não devo,
De querer o que não posso,
De almejar, ainda que em poesia,
Aquilo que a mim não caberia...

Tenho uma musa, uma ninfa, uma fada,
Dotada de um par de asas
Que usa como ninguém...
Ora paira, ora dispara em fuga,
Fingindo-se assustada.

Tenho uma musa
Que abusa do dom da surpresa,
Abusa do dom da beleza,
Mas se perde às vezes na leveza
Dos laços que lanço, mas não puxo...

Tenho uma musa encantada,
Nem amiga, nem namorada,
Uma musa, enfim,
Que não se aceita e não se entende musa
E mal sabe que,
Quanto mais inatingível a musa,
Mais criativa e rica
Será a obra por ela inspirada...
.

Morte Súbita

.
Mataram minha poesia...
Inda nem nascida estava,
Eram palavras inda soltas,
Se procurando, se unindo...

Mataram minha poesia...
E eu mal me lembro do pouco dela
Que chegou a brotar...
Eram palavras inda soltas,
Flertando entre si,
Formando casais...

Sei que falava de fadas dormindo a meu lado,
De estrelas no céu do meu quarto,
De risos e brilhos nos olhares,
De um acordar tranqüilo e mágico,
Alguma coisa assim...
Eram apenas palavras ainda,
Mal aprendiam a andar por si

Mataram minha poesia...
Estava inda dentro de mim,
Estava vindo, crescendo tranqüila,
Mas veio de repente o tiro,
E ainda que o saiba inadvertido e acidental
Foi certeiro, inda assim, e fatal...

E o que faço eu agora
Com uma poesia nati-morta?
Em qual de meus cemitérios a enterro?
Ou devo plantá-la, talvez,
Em meu próprio solo,
E dela fazer semente,
Pra uma outra poesia brotar?
.

Devora-me ou te decifro...

.
Decifrar, é o que dizes...
A mim ou a ti, é o que pergunto...
O quanto de mim há em ti a decifrar,
O quanto de ti há em mim a descobrir?
O quanto de nós ainda paira no éter,
Disforme, volátil e sem peso?

O quanto de nós é sabido,
O quanto de nós é surpresa?
O quanto de cada um cada um se nega?
O quanto de cada um cada um se entrega?
O quanto dos dois é de cada?
O quanto de cada é dos dois?

O quanto cada um se cobra, e do outro,
Aquilo que do outro é, e também de si?
O quanto cada um se busca,
E se encontra, e se perde no outro?
O quanto temos de vidro,
O quanto temos de espelho?
.

Maestria

.
E aí me assusto de novo... coisa mais etérea, uma sinfonia viva, composta no passo a passo, a sei lá quantas mãos, quantas cabeças, e a minha no meio...
Medo... medo de sair do compasso, medo de perder o tempo, de perder a entrada, de ficar pra trás...
Medo de quebrar as cordas, de quebrar os dedos, de quebrar a cara...
Medo de doer... sempre o medo de doer.
Aqui estamos, os dois, tentando tocar juntos uma música que não conhecemos, que não estudamos, não ensaiamos...
De duas uma: ou ficamos tensos e apreensivos, tentando entender o ritmo, o andamento, a melodia e a harmonia, tentando prever e antecipar o próximo compasso, ou relaxamos e deixamos que nossa música nos penetre, nos preencha, e nos consolide...
O que vai ser, menina? Faremos uma Sinfonia, ou um Minueto? Mozart ou Beethoven? Alegres, plenos e fluidos como Bach, ou tensos, rebuscados e densos como Stravisnky?
O que vai ser, minha pequena? O que vamos ser?
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